BRASÍLIA 50 ANOS: ARTE E CULTURA

A pesquisa, a análise e as reflexões que redundaram na escritura deste livro foram realizadas entre 2001 e 2008, resultando, portanto, de um longo período de maturação. Afinal, trata-se de um trabalho de caráter eminentemente exploratório e pioneiro, a respeito de um espaço humano e geopolítico dotado de características específicas de fronteira.
O livro pode ser dividido em algumas fases distintas:
A primeira, entre 2001 e 2002, quando se procurou avaliar as condições sociais para o desenvolvimento de um conjunto de atividades artísticas no Distrito Federal brasileiro. Nesta fase, buscou-se, sobretudo compreender o contexto sócio-geográfico em que esse desenvolvimento está ocorrendo. No mesmo período, realizou-se grande parte das entrevistas aqui utilizadas.
Sobre as declarações colhidas nas entrevistas, procurou-se datá-las e mostrar que houve uma variedade de momentos e meios em que foram coletadas. Ao leitor ou estudioso interessado em aprofundar os assuntos aqui expostos e comentados, sugere-se entrar em contato com o autor, caso deseje ter acesso às mesmas, hoje arquivadas no acervo da pesquisa.
A segunda fase, entre 2003 e 2004, ocorreu principalmente durante a realização de estágio pós-doutoral na Maison des Sciences de l´Homme, em Saint Dennis, Paris Nord. No período, ocorreram alguns dos insights, conceitos e interpretações aqui desenvolvidos, resultantes do contato intensivo com a produção sociológica francesa de então sobre o campo da arte.
Na terceira fase, de 2005 a 2007, aconteceram a preparação e a publicação de
um dossiê sobre o estado atual do campo acadêmico da sociologia da arte em contexto mundial. Também ocorreu a divulgação dos primeiros resultados da pesquisa, sob a forma de comunicações a Congressos e publicação de artigos acadêmicos. Intencionalmente, o texto apresenta, em muitas circunstâncias, características de um mosaico, cujas peças assumem o formato de verdadeiros blocos ou tijolos, assemelhando-se a um almanaque. Esse procedimento também foi necessário em virtude do seu caráter exploratório, do longo período de maturação e, decerto, do seu pioneirismo.
Esse extenso período resultou, também, em dificuldades relativas às mudanças
contemporâneas. A cidade de Brasília, objeto central do estudo, foi ficando mais madura e assumindo novas idades a cada ano que se passava, enquanto cada um dos seus capítulos era divulgado separadamente. Decidiu-se, então, manter, ao longo de todo o texto, a idade da cidade no período da publicação inicial, tal como estava inscrito nas respectivas versões. (Se isso pode causar certa confusão ao leitor) A ideia de manter as diferentes idades dessa jovem senhora (já uma robusta balzaquiana) visa a apontar para um processo de maturação muito recente, e que parece ter sido realizado aos saltos, como se verá adiante.
Também devido às características deste projeto, muitas vezes um caráter mais
literário que acadêmico foi atribuído à exposição das informações e do seu tratamento teórico-conceitual. A ideia norteadora, afinal, foi sempre a de deixar os agentes do mundo artístico de Brasília falar sem muita interferência da literatura canônica sobre o campo artístico. Na verdade, de forma intencional, como se verá adiante, utilizaram-se, basicamente, três conceitos para orientar a compreensão das falas coligidas: educação sentimental, habitus e estrutura de sentimento. Ou seja, a sociologia da arte, de Pierre Bourdieu, e a sociologia da literatura, de Raymond Williams, tornaram-se protagonistas de uma enredada história, incitando à pertinência das falas citadas. Na introdução a este livro, elaboramos o sentido de como as três noções nortearam este estudo e como estão relacionadas entre si, construindo uma teia conceitual extremamente útil, como se verá.
Também nos comentários finais, procura-se mostrar como os mesmos se
tornaram operacionais no sentido da compreensão do ethos sentimental em que os artistas enfocados foram formados e se firmaram numa constelação heterogênea de estilos de produção artística e processos de aprendizagem.
Naturalmente, também, não se pretendeu esgotar temática tão vasta e cambiante, preferindo-se demarcar o caráter de pesquisa exploratória, sobre um sítio urbano em zona de fronteira, onde tudo ainda parece assumir um caráter insofismavelmente pioneiro e por, isso mesmo, desafiante e ousado.
Este livro representa, afinal, a minha modesta tentativa de homenagem a uma
cidade que sempre amei. Aliás, um amor assumido e à primeira vista. Ele é, ainda, um pleito de gratidão à mesma e aos seus habitantes pela forma carinhosa e receptiva como me abrigaram há exata e coincidentemente 30 anos. Espero que esse tempo de lida quase diária na tentativa de entendê-la e admirá-la tenha resultado em algo profícuo e prazeroso para ser lido. Não pretendo mais que isto e desejo apenas isto. Brasília tornou-se, para mim, um grande e desafiador mistério, cuja mística chega ao extremo de ultrapassar a lógica da fronteira e mesmo do imponderável. Que ela continue assim. Menos odiada e mais amada. Mais admirada e menos estigmatizada.